Um dia como esse hoje, tarde magnífica, fui levar a cachorra pra passear e dei graças a deus de não ser hikikomori.
Fui comprar o jornal, não tinha Estadão, mas tinha O Globo. A alegria ocorreu, mas como sói ocorrer, durou pouco: o Prosa e Verso cantava loas à pseudo-majestade Ferreira Gullar, poeta laureado, esteta ressentido, fruidor de arte ortodoxo, ex-comunista, anti-petista, abusivo, monótono, chato – mas celebrado que só. Pouco antes de sair de Belo Horizonte, lembro de assistir a uma palestra dele: foi ovacionado às custas da rudeza arrogante com que tratou Duchamp e arte conceitual – isso foi perto do lamentável incidente dele contra a Laura Vinci. Foi ovacionado: devia estar empoderado, o velhinho, deve ter saído do salão de conferências do Palácio das Artes se sentindo centroavante na vida, se sentindo muito mais e melhor que o pífio reaça que estava sendo. Triste destino o de envelhecer acreditando-se um exército de um homem só – triste envelhecer numa metáfora bélica. Bom, que seja: triste para mim. Vai saber o que o outro celebra em si.
Na praia, as barracas no chão, uma imagem que nunca tinha visto antes, o dia magnífico, lindo mesmo, a enseadinha mansa, umas crianças, um casal de gringos. Uma senhora cheia e sorridente, parecendo Aunt Jemima, se aproveitou do vazio e levou um isopor pra vender cerveja. Quando tinha treze, catorze anos vinha aqui de ônibus, passava o domingo na praia, seminu e, que me conste, sem dinheiro nenhum.
Minha cachorra, tão adorável, o fim de tarde e, no mar, a linha do horizonte mais escura, tudo azul, nenhuma nuvem. Como não lembrar de Beckett num dia assim? Pois consta que um dia Beckett estava caminhando com Paul Léon, estão nos Champs Elysées, digamos que estão indo tomar uma, e a tarde está exuberante – como essa de hoje. Léon puxa conversa, dizendo Dia lindo, hein, Sam? E Beckett olha ao redor, como se até então estivesse distraído da circunstância, e confirma o valor de verdade da afirmação de Léon dizendo É mesmo, lindo mesmo. E então Léon – em um movimento no qual me reconheço, com o qual me identifico, que poderia ter sido meu – se empolga e diz Pois é – num dia assim você se sente feliz por estar vivo! E Beckett – em um movimento admirável, no qual reconheço a pessoa que eu desejaria ser mas nunca serei, que jeito – responde Ah, Paul, aí já não sei – eu não iria tão longe. E os dois se entreolham – e riem, são amigos, em alguns minutos beberão uma cerveja.
Essa foto é uma coisa.
E seu blog está bacana como sempre. Tenho preguiça de comentários, mas estamos aí.
Obrigado, Greg.
Saiba que tenho angústia de influência com seu velho (e lamentavelmente finado) blogs, Mal de Montano. Aliás, sou leitor tão velho daquilo que lia na época em que era O ultimo leitor. 🙂
A verdade é que isso dá trabalho. Não sei como o Idelber dá conta.