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Em Novembro de

Em Novembro de 2012 constatei que estava perdendo a memória. Nada grave, mas era inegável, e estava alojado quase que exclusivamente na região da memória mais recente: não havia nenhum caso que envolvesse lembranças de infância perdidas, por exemplo.

Um incidente representativo do processo. Lembro que estava às voltas com a compra de livros de fotografia, e desejei lembrar de uma fotógrafa em particular. Lembrava da capa de um livro dela, de auto-retratos dela, de elementos da relação dela com os pais: ou seja, eu lembrava dela. Mas o nome me escapava, e sequer conseguia lembrar de um nome próximo.

Lembrava do curador de uma exposição que incluía o trabalho dela, um cara que escreveu textos sobre o trabalho dela – mas lembrava isso também de maneira trôpega: lembrava um nome parecido com o sobrenome do cara, mas que eu sabia não ser o próprio nome dele.

Lembrava outras coisas. Que os trabalhos, pelo menos os que eu conhecia, eram todos preto-e-branco. Que a relação da artista com os pais era complicada. Que sua produção se concentrava em poucos anos. Que morreu muito jovem. Que eu achava a bunda de uma das modelos em uma das fotos linda. Que a tensão nas fotos parecia se transformar em outra coisa cheia de uma agonia mordaz e destemida, um espectro sinistro e pouco controlável de entrega urgente a uma alteridade poluída, mas sedutora, convidativa. “Venha”, diziam as fotos. “Tome”, diziam, “Eu sei que você quer também”.

Lembrava, portanto, muita coisa, mas foi só horas depois que lembrei que era Woodman.

woodman

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