No jornal de ontem, trechos de Verão, de Coetzee.
Enquanto lia, lembrei de como comprei o primeiro volume da biografia, ainda naquelas edições derrubadas e horrendas da Editora Best Seller – será que ainda existe essa editora? Nome infeliz, capas medonhas; da qualidade das traduções não posso dizer nada, quem era eu pra julgar esse tipo de coisa nos anos 80? Li vários Coetzee que foram lançados por eles, e o Boyhood, que virou, acho, Cenas de uma vida, comprei por dois tostões na Civilização Brasileira da Avenida Sete, que foi a primeira grande livraria que conheci na vida: andares, livros técnicos separados por área, livros em outras línguas. Hoje se foi, não é mais nada e, quando comprei esse livro de Coetzee lá, devia ser tipo 1999, 2000, já estava nos escombros.
Lembrei também de como, quando li Youth, que comprei também baratinho em um sebo na internet – recebi o pacote depois de um dia exaustivo, uma sexta-feira, tinha trabalhado muito, estava cansado, comecei a ler logo: li de uma sentada, antes de dormir – fiquei tão tocado com o trecho sobre civilização e civilidade. Eu tinha acabado de voltar para Salvador depois de quase quinze anos fora, ainda estava morando na casa de minha mãe e dormindo na cama que tinha sido minha na adolescência e que por força das circunstâncias era minha de novo; meus livros ficavam em duas pilhas ao lado da cama, do mesmo jeito que ficavam os livros que o Guido ainda planejava ler (Lovecraft e Bradbury estavam nessa pilha, lembro bem). Lembro de me identificar com a experiência do personagem de Coetzee com Beckett, de como foi descobrir que Beckett era, podia ser, engraçado. Lembro de achar o personagem um bundão várias vezes, mas o trecho sobre o que é civilidade, o que é civilização, aquilo na hora soube que nunca ia me deixar.
Há coisa de um mês no máximo o Kelvin me contou que Coetzee estava nas cabeças do Booker de novo, com outro livro autobiográfico, Summertime; logo fui numa loja britãnica e pedi. Que luxo, pensei, lembrando de uma época quando a compra de um livro tinha de ser matéria de planejamento e cálculo sistemático. E era isso que estava lendo ontem, trechinhos do livro que saíram no jornal de domingo, e me surpreendi tão comovido, quase às lágrimas, ao ver que o que acontecia ali era provavelmente um negócio que reparava o que julguei serem erros pregressos, que tornava aceitáveis os desvios de rota e os cálculos à primeira vista equivocados e na verdade nem sei exatamente porque fiquei tão tocado, e quando é que sabemos essas coisas com precisão, afinal. Agora, tentando organizar a coisa escrevendo, imagino que é plausível sugerir que foi por perceber que o presente às vezes muda o passado, e que isso, também, podia ser bom.
… & the livin’ is easy/ fish are jumpin’/ & the cotton is high
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