Há alguns dias estava numa defesa. Era uma primeira vez – nunca tinha participado de uma qualificação e, depois, da defesa. Isso foi bom, ver que algo se deslocou, que houve aprendizado. Tudo isso, claro, é uma suposição: ele supõe que algo desse aprendizado se deva à maneira como ele rabiscou um texto, e a uma conversa que teve com a moça que escreveu o texto no dia do exame e depois, em um ou outro encontro. Acredita nessas coisas, o que nesse caso quer dizer que acredita que o que faz tem, ali, valor e, no meio da liturgia toda, enquanto espera sua vez, lembra do dia em que ele estava ali, no lugar daquela moça, respondendo aos examinadores. Foi uma hora de inquietude, de excesso de presença, de desejo de durabilidade – e já se passaram quase cinco anos, cinco anos.
Finda a cerimônia, no estacionamento, entra no carro se sentindo vazio, ordeiro, leve – feliz. Todos estavam felizes, aprovados com distinção. O engarrafamento é uma abominação, mas tudo bem. Tudo bem.
Dois dias depois, passa o dia inteiro com os colegas em um auditório: discussões, debates, grupos de trabalho, lideranças, estilos de protagonismo, disciplinas obrigatórias, a vocação histórica deste curso. Um aluno acumula uma rudeza nunca vista por ele, uma brutalidade: embora trabalhem juntos, nunca ouviu um bom dia do garoto, e se pergunta porque, há um enigma na proporção e na integridade da rudeza. Outro aluno murmura perto dele Pra quê outra literatura portuguesa? O que é que tem literatura portuguesa? Só tem Saramago e acabou. Há muito esforço e empenho, mas também há confusão, dispersão, maledicência; uma colega, a certa altura, diz A abnegação é um gesto político, eu me sacrifico. Ouve muitas pessoas, ouve à exaustão: é um curso breve de colonialismo, e pensa se, aos setenta, setenta e tantos anos vai se lembrar de um dia como esses, e se arrepender de sua puta paciência.
No fim do dia, extenuado, gasto, com uma sensação de demasia. Foi um potlatch. Esqueceu alguma coisa. A chave do carro? De casa? Algum livro? Nada. Que açoite, pensa. Que açoite da porra.
Essa é a experiência que, dizem, vem sem que se precise ler qualquer livro mas que, curiosamente, só fica bem emoldurada depois de pilhas de livros. Essa aporia escorre abundante nesses teus últimos posts. (Um dia chego lá)