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Shields, Coetzee

Pela primeira vez em muito tempo, pude terminar uma resenha, deixar descansando dois dias, e reler, e revisar, e alterar umas coisinhas antes de enviar: que coisa mais refrescante e feliz. Semana que vem estará lá, no caderno, e será outra alegria.

Ano passado, em Setembro mais ou menos, liguei para minha mãe e ela disse Chegou um livro aqui pra você. Dias depois, quando fui lá, qual não foi minha surpresa ao encontrar Summertime, de Coetzee: junto, nenhuma explicação, só uma nota de envio com informações de almoxarife, na qual estava escrito à mão “Review copy”. Não eram as provas do livro, era o livro mesmo, capa dura e tudo – não faço a menor idéia de quem foi o responsável por isso, e sei que há uma cadeia de relações e indicações por trás de algo assim; o fato de terem enviado para a casa de minha mãe indica que tinham um endereço antigo meu, mas e daí? Por mais que pensasse continuava ao léu – mas, é claro, muito feliz, com o livro na mão.

Comentei isso com o Kelvin, e ele me disse Não vejo a hora de isso acontecer comigo também, Tio. Ele estava, mais uma vez, coberto de razão (isso é um puta non sequitur, mas é também verdade): eu também durante muitos anos desejei que isso acontecesse comigo, desejei ser surpreendido por livros chegando em minha casa inadvertidamente. Claro: como todos os desejos, este, quando se realizou, acompanhou a forma que lhe é própria, agregando mil sedimentos à sua casca em uma deriva peculiar entre a formulação imaginária e a coisa batendo à sua porta, obviamente uma forma incompatível com aquela, sempre pálida, mansa e unilateral, com a qual aparece pela primeira vez. Assim, os livros chegam, e são muitos, e muitos sem ter necessitado de minha agência de maneira alguma. Mas uma surpresa como essa, receber o livro de Coetzee recém saído do forno – isso é raro sim, e é bom sim, e eu desejei muito ocorrências como essa em minha vida. É um pouco como as “impossible good news” que Chesterton mencionava, e que minha irmã tanto preza.

O livro é formidável, e senti muita alegria ao terminar essa resenha – não só por ter conseguido revisá-la e fazer um texto que, creio, não insulta o texto que o motiva, mas porque tem um trabalho do cão por trás da coisa toda, desde as conexões misteriosas entre meu nome e o de alguém, alhures, que houve por bem me enviar o livro, até a leitura do livro, cheia de momentos muito pungentes, que comentei com o Tiago e com o Leandro e, também, claro, com o Kelvin, passando pelo post que escrevi na época em que li o livro, até chegar ao texto, esse, que acabei de terminar.

Assim que terminei, coloquei Loveless pra ouvir. Talvez, penso agora, tenha escolhido esse disco porque ele parece aquela obra que silencia seu autor: o que fazer depois disso, o que produzir mais, o que produzir ainda? O que será que Coetzee ainda escreverá, o que vem dali, o que virá, como eu lerei, quem lerá? Responder essas coisas é como querer desvendar o paradeiro de velhos amigos, aqueles com com os quais eu tomava cerveja e falava de Kevin Shields no fim da noite em verões passados, todos longe agora, remotos como o tempo em que eu era um cara que desejava receber em casa inadvertidamente livros para ler e comentar e não fazia a menor idéia dos livros que leria assim, do que viria junto com os livros, do que virá.

  1. O tempo é uma coisa tão estranha. Às vezes, o passado parece pertencer a outra pessoa, de tão remoto. Mas não estamos sempre falando que a vida passa muito rápido?

    Na verdade, temos todo o tempo do mundo.

  2. Tulio

    Muito bom! Só agora passei a acompanhar esse espaço com constância, acho que no fundo leio a leituras pela vontade de ler o que foi lido. Nessa viagem vou catando o que os ecos daqui me trazem: uma curiosidade enorme (parcialmente saciada) de conhecer coisas que talvez eu já devesse conhecer, ou não. Coetzee é um exemplo disso.
    Pena que os únicos livros que aparecem na minha porta são os que encomendo pela Internet. Na verdade, melhor esses do que nenhum… rs

    • Seu dia vai chegar e vc ainda vai receber mais livros do que poderá – ou, pior, desejaria – ler.

      E vá sem culpa: com sua idade eu tb ainda não conhecia Coetzee não: o descobri no mestrado, na saudosa biblioteca da UFMG.

  3. diego

    Acaso puro, com os dois tive começos dificéis. Do MBV baixei uns singles antiguíssimos, as gravações era ruins, os vocalistas eram outros e eu não entendi bem o que estava acontecendo. Depois comprei o loveless e foi só alegria.
    Com o Coetzee algo parecido. Li primeiro o Age of Iron, achei brega: uma choradeira. Putz, nada a a ver. Depois li o Michael K e pronto.

    • D, o primeiro que li foi Waiting for the Barbarians, o segundo foi Dusklands – lembro que foram esses os que achei na biblioteca, mas não lembro porque eu estava interessado em Coetzee; como eu vivia lendo o NYRB e o LRB, que a biblioteca assinava, periga ter sido por aí. Li vários outro livros do Coetzee naquelas edições horrendas da Best-Seller, e esse Age of Iron foi um deles. Não gostei, mas há um ano mais ou menos estava em Brasília e vi esse livro, e comprei, e li de novo, e achei melhor. Mas, claro, não é Foe, ou Michael K, ou Disgrace, ou mesmo Elizabeth Costello. Va bene: ele ainda sai ganhando.

      Agora, o MBV vai virar outro post: a história é comprida. 🙂

  4. “O tempo é uma coisa tão estranha. Às vezes, o passado parece pertencer a outra pessoa, de tão remoto.” Às vezes eu acho que tive muitas vidas, Myriam. Algumas memóriassão só efeito colateral de um reencarnação mal feita. Mas na próxima quero escrever como o dono deste blog.

    • Eu tb às vezes sou surpreendido por coisas de vidas passadas que aconteceram nessa mesma, Berna.

      Vc é tão bondoso comigo e com as coisas que eu escrevo – eu não mereço, mas sou feliz porque fiquei seu amigo por causa das coisas que a gente lê e escreve. Mesmo vc sendo SATANISTA VEGAN. 😛

  5. Pingback: Time flies « ensaio

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