Não é curioso? Assistindo hoje a O Pântano, de Lucrecia Martel, com meus alunos – e era a segunda vez que assistia, a primeira foi logo quando o filme apareceu, em 2001 ou 2002 – observei que o filme parece inverter a máxima marxista que reza que a História primeiro acontece como tragédia, depois como farsa. Observe que a consumição de Luchi – imolado no quintal em uma morte besta que provavelmente teve como causa primeira, além da infância e sua implacável curiosidade, o rato-do-banhado – é primeiro encenada enquanto jogo no mesmo local. Portanto, primeiro a farsa, a ficção, e depois a tragédia.
Podemos também argumentar que a fonte da morte no filme é mesmo a ficção: é a narrativa sobre o rato-do-banhado que engendra o medo que consome Luchi e o medo que o consome é que o leva à morte. A tese para mim é má, pois ofende a ficção, tornando-a fonte do mal – e eu quero que ela seja a fonte da salvação, pois nisso acredito. Mas também acredito que há de ser melhor para a ficção que ela seja má e boa, parêntese da tragédia e tragédia ela também. Estamos falando, afinal, de um filme que em uma das cenas nos mostra um menino caolho, no meio do mato, com uma espingarda apoiada no ombro, tentando insistentemente encontrar alguma coisa no cu de um cachorro. Um filme no qual os diálogos são puro DeLillo, onde os personagens falam a maior parte do tempo apesar dos outros, e só eventualmente uns com os outros. Um filme que celebra em um passeio na represa, que junta índios e brancos em um breve interlúdio de festividade comum, uma espécie de paraíso friável e fudido. É um momento mínimo, quase invisível, muito volátil – e magnífico.
Um dos meus filmes preferidos em um dos blogs favoritos.
Eu assisti logo que apareceu, e adorei – mas dessa segunda vez gostei muito mais. Show de bola da bruxinha argentina.
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