Em Julho de 2013 decidi voltar a escrever posts aqui: poucos, como sempre foi, e com minha pausa habitual, pois não sei de outro jeito, só tenho esse jeito, lamentavelmente. Queria continuar o que comecei no último post: escrever sobre os bastidores do trabalho de resenhista – escrever sobre o que poderia ser pedantemente descrito como a poética de um gênero menor ou, com menos pedantismo e, provavelmente, mais felicidade, sobre o caminho entre o desejo de escrever sobre um livro, a demanda do jornal, a leitura do material e o que enfim é publicado como resenha. Isso me interessa por várias razões – há meu trabalho como professor, que sempre passa por aí, por algo da ordem do processo de fatura de textos que comentam matéria literária; há a celebração de um momento menor e quase sempre privado ou de pouca audiência, que está acontecendo o tempo todo, ruído branco na comoção geralmente histriônica do campo literário; há meu interesse por coisas fudidas pras quais pouca gente presta atenção. Dessa vez, ia comentar a última resenha que publiquei, e como o resultado nada revela – e, na verdade, veta – o monte de peripécias em torno dessa publicação. Ia falar sobre como descobri a autora e como a expressão “Estudando Lydia Davis” virou uma piada doméstica; falar como fiquei satisfeito ao saber da tradução, e como aporrinhei o pessoal do jornal para que pudesse resenhar. Depois, introduzindo alguma quebra no texto, ia contar como o prazo final pra resenha me pegou na nossa grande quinzena das manifestações, e como tudo se atrapalhou, todas as vontades e planos e direcionamentos cotidianos, e terminei pedindo adiamento ao editor, e enfim produzindo a resenha de uma sentada, no último momento do último dia de prazo que eu tinha. Falaria, concluindo, como essa pressão particular provocou certo tipo de relaxamento e esquecimento, que talvez tenha se traduzido em um texto mais arejado; comentaria como o texto muito lido e conhecido se incrusta na memória, e na exigência do comentário se transforma em outra coisa, uma espécie de fruição às avessas; falaria que, ao terminar a resenha, pensei em comentar o caso com os alunos, aludindo à conexão, nesse trabalho, entre cumprimento de prazo e reputação, e falando das moedas morais que correm no campo literário (e isso, pelo menos, terminei fazendo mesmo).
Tudo falido, pois sobre nada disso consegui escrever. Até tirei foto das fichas que usei na resenha, pensando em reiterar um comentário que vivo fazendo sobre as etapas da fatura e a fatura da anotação, mas mesmo com esse tipo de gracejo a la Barthes a coisa se provou demasiado lisa, volátil, chata, e capitulei. E depois, lendo, me interrompi voltando ao problema da razão do não escrever. De onde vem a dificuldade?, pensei. Lembrei de blogs como os do K e o do Monte: mil diferenças entre os dois, mas em ambos o exercício do muito, não apenas ler muito mas muito escrever sobre o lido, quase diariamente um post, mais um texto feito, algo dito. Mesmo o Ad Man, que tanto admiro, e que trabalha numa cadência mais esporádica: não dou conta.
Eu naufrago nessa abundância: não tenho, nunca tive tanta força, nem tanto desejo de escrever e de dizer – e aí talvez seja o caso de pensar que força e desejo são sinônimos. Escrever me dá um trabalho do cão – ou então escrevo algo que sequer tem valor para mim, que sou o juiz mais laxista de mim mesmo (que saco cheio de autores elogiando seu altíssimo crivo crítico: você é sempre, necessariamente, o pior juiz do que escreve, o mais incompetente de todos, o ridículo-mor). Preciso de muito desejo pra escrever, pensei. E o que fazer quando não encontro esse desejo? Ou o que fazer quando, malgrado o desejo, o texto se cancela, e infelicita, a cada passo – pois todo texto aparece in media res, e sua vida está a caminho, paralela e incidental, mas o texto é também seu trabalho, e nesse seu trabalho se depositam, embaraçadas, sua reputação, sua vaidade, seu juízo de valor e excelência. No meio da frase que eu queria formular e não produzi está a força da falência do que ela nunca iria conseguir dizer – está também a minha filha doente, meus problemas de dinheiro, meus pseudo-amigos vermes, o reaparecimento do autor-pateta que há anos me escreveu mensagens risíveis por uma resenha ruim que publiquei de um livro dele, os trezentos outros planos que me carregam para mais e mais textos que vou escrever, que não vou escrever, até, é claro, de um jeito ou de outro, morrer. Pensei naquela frase que atribuem a Foucault, “Como faremos para desaparecer?” Não há problema, pensei, Isso tá garantido. Não vou escrever mais nada.
pensei que era o único a usar ainda aquelas fichas!!!
Delicioso. 🙂
(eu queria usar fichas, mas sou eletrônico demais, word-dependent, preciso delas no meu computador)
(a frase é do Blanchot 🙂 é o título do meu primeiro trabalho publicado e, há uma ambiguidade que em frances disparaitre é também falecer, tema blanchodesculpaparardeserchato eheheh)