O papel de minha família na Revolução foi certamente insignificante. Meu avô paterno, um biscateiro e fabricante artesanal de palitos, era demasiado lumpenizado para se dar conta de suas obrigações com o Destino do Proletariado: havia seis filhos, e até hoje me pergunto em que condições ele adquiriu aquela casa escura, que só tinha uma janela na frente, ao lado da porta.
Nascido em 1903, no momento mesmo da Revolução meu avô tinha apenas 14 anos, mas isso não era efetivamente um impedimento: sabemos de heróis bolcheviques com a mesma idade, ou até menos, veja-se o caso do Jovem Lizok, por exemplo. Meu avô poderia ter contribuído para a Revolução e, mesmo que ele não houvesse contribuído para a Grande Revolução, poderia ter contribuído mais adiante, nas fileiras espanholas – ele não tinha vindo de Portugal, afinal, pobre e friorento em um navio que quase afunda? Havia um mundo a corrigir.
Mas, ao invés disso, meu avô preferiu fazer nascer meu pai e dar lugar a toda a sequência arbitrária e óbvia que nos traz até aqui.